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Saturday November 23rd 2024

*IX Fliaraxá propõe legado de sinergia entre as línguas


Sempre que um festival literário termina, começa a corrida para apresentar os números. Só que desta vez decidimos inverter a ordem e a concordância verbal, incomuns em textos para a imprensa. Os números do Festival Literário de Araxá 2020 são surpreendentes, mesmo extraordinários, mas não falam por si, em separado.

O legado maior do Fliaraxá é o conteúdo que ele deixa como pedra bruta para lapidação coletiva. Um festival que deveria ter terminado no dia 1.º de novembro – só que não – foi estendido até o dia 8 de dezembro, com várias ações, entre elas, o Concurso de Redação, a exposição Retratos do Aroeira e, principalmente, o Manifesto Pela Sinergia das Línguas em Português.

Trata-se de uma nova perspectiva, qual seja a da integração das diferentes culturas que falam português – e não mais o lugar hegemônico de uma língua mãe a que se atribua a tarefa de urdir a tessitura desses saberes. As línguas – e seus variados ecossistemas –, enriquecidas pelas culturas que se manifestam por ela, fazem a trama.

Melhor dizendo, “não há uma língua portuguesa, há línguas em português”, frase de José Saramago e tema do Fliaraxá deste ano. A síntese alcançada pelo grande escritor português revela este lugar de ser e de conviver, no qual as várias línguas em português, graças à diversidade das culturas que traduzem, constroem solidariamente – e não unificadamente — uma visão de mundo rica e transformadora.

Uma visão só possível a partir da soma de olhares empáticos, desde lugares de compartilhamento, que o Fliaraxá, no fim dos cinco dias de festival, reconheceu o poder de se iniciar uma “pandemia de alteridade”. A capacidade de sinalizar um novo caminho, traduzido na substituição pela tolerância das diferenças, no desejo de aprendizagem com as diferenças. Algo que nenhum governo vai fazer, pois só é realizável pela arte e pela cultura – as áreas que lapidam pedra bruta – por serem o fogo de ignição das transformações.

Nesse fluxo criativo, o Fliaraxá divulgou o “Manifesto pela Sinergia das Línguas em Português”. Diz certo trecho: “Propomos, neste Manifesto, intensificar o conhecimento que temos sobre a forma de nos expressarmos artística e intelectualmente no modelo da SINERGIA. Propomos criar um fluxo de circulação de ideias, o único verdadeiro antídoto contra o preconceito e contra a ignorância. A língua não é um conceito geopolítico, a língua é a forma de nos fazermos entender, de pensar e de viver. A língua será tão mais viva quanto mais formos capazes de dialogar e fazer circular os nossos pensamentos, nossos livros, nossas canções, nossos espectáculos e demais formas de nossa expressão artística”.

E convida: “Pretendemos reunir um conjunto de escritores, músicos, atores, filósofos, cientistas, historiadores, produtores e pensadores que estejam dispostos a participar desta vontade de descoberta do outro, o outro que fala a mesma língua. Pretendemos, com as nossas estruturas, criar eventos e programações culturais capazes de estar presentes em todos os nossos países, digitalmente, de início”.

Com esta pedra bruta nas mãos, o idealizador do festival Afonso Borges e sua equipe de curadoria perceberam que o Fliaraxá não poderia terminar em 1.º de novembro. A lapidação precisa prosseguir, atendendo à chamada do Manifesto: “Se o que nos une é o código com que falamos, então vamos falar, vamos falar mais, vamos falar muito. Vamos praticar a sinergia”.

AH, SIM, OS TAIS NÚMEROS !

A 9.ª edição do Fliaraxá apresenta números extraordinários na versão virtual-digital-híbrida, 24 horas no ar, totalizando 101 horas de transmissão contínua. O público, desta vez, foi contabilizado pelo número de alcance nas redes, registrando 6.772.247 milhões de visualizações do conteúdo exibido no Facebook, Instagram, Twitter e Youtube, canais oficiais de divulgação e de exibição do festival. No site do evento, 22.556 usuários foram alcançados, num total de 58.178 visualizações do conteúdo disponível.

Para não perder o sentido de geolocalização, a transmissão foi toda feita direto do palco do Teatro Tiradentes, no Grande Hotel de Araxá, quando atuou, de forma presencial, uma equipe de trabalho de 25 pessoas – todas testadas para Covid-19 e seguindo os protocolos recomendados pela Organização Mundial de Saúde; 129 pessoas trabalharam direta ou indiretamente o pré, o durante e pós-evento. O festival contou com alguns momentos híbridos, com participação ao vivo de Afonso Borges, que fez a moderação de grande parte das mesas da programação nacional e internacional; e dos escritores Léo Cunha e Tino Freitas, que ancoraram a programação infantojuvenil.

Remotamente, estiveram presentes cerca de 100 escritores, e a equipe de transmissão passou pelo desafio de conectar autores em 11 diferentes fusos horários nos seguintes países: Portugal, Brasil, Cabo Verde, Timor Leste, São Tomé e Príncipe, Guiné-Bissau, Angola, Moçambique, Estados Unidos e Espanha.

A exposição “Retratos do Aroeira” marcou outro dos momentos híbridos do festival. Os desenhos de cerca de 70 retratos de escritores e escritoras que fazem parte da história do festival nestes nove anos de realização, feitos pelo cartunista e músico Renato Aroeira, foram expostos no hall e nos corredores do Grande Hotel e, na sexta-feira (30/10), a exposição foi deslocada para o Centro da cidade, dando a oportunidade ao público da cidade, sede do Fliaraxá, de ter contato com os autores por meio das artes plásticas. Os retratos ficarão expostos em Araxá, doados para a Biblioteca Pública Municipal Viriato Corrêa, para o Museu Dona Beja, para a Biblioteca do Uniaraxá, para o Sesc Senai e, ainda, para a Livraria Nobel. Outra ação presencial ocorrida nesta edição foi o lançamento de cinco livros de autores locais, ocorridos na Livraria Nobel. Importante também falar sobre a transmissão em Libras (Língua Brasileira de Sinais), realizada no modo streaming em todas as sessões ao vivo do Festival.

IX FLIARAXÁ – FESTIVAL LITERÁRIO DE ARAXÁ

O IX Fliaraxá aconteceu de 28 de outubro a 1.° de novembro de 2020, homenageou Conceição Evaristo e José Eduardo Agualusa e teve como patronos João Cabral de Melo Neto, Clarice Lispector e Calmon Barreto. O ator Antonio Fagundes foi a personalidade literária do ano. A curadoria foi composta por Afonso Borges, pelo cientista político e escritor Sérgio Abranches, pela historiadora, escritora e professora Heloísa Starling e pelo escritor Tom Farias. Os curadores locais foram Luiz Humberto França e Rafael Nolli. Assina a curadoria infantojuvenil o escritor Léo Cunha.
A lista de autores da edição de 2020 inclui, de Angola, Ondjaki e José Eduardo Agualusa; de Cabo Verde, Germano Almeida; de Moçambique, Ungulani Ba Ka Khosa, Mbate Pedro e Mia Couto; de Portugal, Valter Hugo Mãe, Bruno Vieira Amaral, Gonçalo M. Tavares, António Araújo, João Luís Barreto Guimarães, José Luís Peixoto, Tânia Ganho, Teolinda Gersão, Onésimo Teotónio de Almeida, Afonso Cruz e Yara Monteiro; de São Tomé e Príncipe, Olinda Beja; do Timor Leste, Luís Cardoso; da Guiné-Bissau, Abdulai Silá; do Brasil, Victor Lopes, Pasquale Cipro Neto, Monja Coen, Antônio Fagundes, Paulo Scott, Luiz Ruffato, Lira Neto, Alberto Mussa, Ronaldo Correia de Brito, Sérgio Rodrigues, Elisa Lucinda, Heloisa Starling, Lilia Schwarcz, Tom Farias, Milton Hatoum, Joca Terron, Noemi Jaffe, Sérgio Abranches, Jeferson Tenório, Nélida Piñon, Marina Colasanti, Simone Paulino, Antonio Carlos Secchin, Schneider Carpeggiani, Conceição Evaristo, Itamar Vieira Júnior, Santiago Nazarian, Raphael Montes, Eliana Alves Cruz, Ignácio de Loyola Brandão, Ailton Krenak, Djamila Ribeiro, Xico Sá e as brasileiras que vivem nos Estados Unidos, Lucrécia Zappi e Adriana Lisboa.

O patrocínio é da CBMM e o apoio cultural do Itaú, via Lei Federal de Incentivo à Cultura, da Secretaria Nacional de Cultura, do Ministério do Turismo.

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